sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Festas de Aniversário e as Filhoses

Outro dia me peguei reclamando que nunca mais tinha ido a uma festa de aniversario como as de antigamente - onde se tinham muitas novidades à mesa para impressionar aos convidados e que tais inovações gastronômicas faziam parte de um protocolo invisível direcionando o serviço da festa.
Isso me remeteu  à minha festa de aniversário de três anos, faz tempo, mas me lembro de muitos detalhes, sobretudo das inúmeras quantidades de filhoses cobertas com açúcar e canela (na minha cidade essa delícias eram chamadas de sonhos portugueses); lembro-me bem do bolo confeitado de amarelo com branco e da mesa decorada com muitos coelhos amarelos – é que faço aniversário em abril, depois da páscoa, e além disso eu ainda tenho coelho no sobrenome rsrsrsrs.
Minha festa de 3 anos - eu adorava esta roupa xadrez com suspensório srrsrsrsrs
Por esses motivos, resolvi falar das festas de aniversários e da mágica que as envolvem. Vejamos:
Os vários costumes de celebração de aniversários natalícios das pessoas hoje em dia têm uma longa história. Suas origens acham-se no domínio da mágica e da religião.
Os costumes de dar parabéns, dar presentes e de celebração - com o requinte de velas acesas - nos tempos antigos eram para proteger o aniversariante de demônios e garantir segurança no ano vindouro. Até o quarto século, o cristianismo rejeitava a celebração de aniversário natalício como costume pagão.
Os gregos criam que cada um tinha um espírito protetor ou gênio inspirador que assistia seu nascimento e vigiava sobre ele em vida. Este espírito tinha uma relação mística com o deus em cujo aniversário natalício o indivíduo nascia. Os romanos também endossavam essa ideia.


O costume de acender velas nos bolos começou com os gregos -  o uso de velas também teria sido herdado do culto aos deuses antigos, que tinham a missão de levar, por meio da fumaça, os desejos e as preces dos fiéis até o céu, para que eles fossem atendidos.
Bolos de mel redondos como a lua e iluminados com velas eram colocados nos altares do templo de Ártemis. As velas de aniversário, na crença popular são dotadas de magia especial para atender pedidos.


Acreditava-se também que as saudações natalícias tinham poder para o bem ou para o mal, porque a pessoa neste dia supostamente estava perto do mundo espiritual.
O primeiro registro histórico de uma festa de parabéns data do ano 3000 a.C., no Egito. Mas, nessa época, não era um hábito para qualquer um. Só os faraós mereciam a honra.
Os gregos adotaram deles a prática elitista e passaram a festejar mensalmente aniversário dos deuses. Com o tempo, o costume foi se estendendo para os plebeus. Os romanos copiaram a ideia e a comemoração entrou para o calendário anual deles. Os festejos eram chamados Dies Sollemnis Natalis, mas destinavam-se apenas ao imperador, sua família e aos membros do Senado Romano.
Nos primórdios do Cristianismo, o costume foi abolido. Os cristãos, perseguidos, achavam que não havia motivo nenhum para festejar o nascimento. Muito mais atenção merecia a morte considerada como a passagem para a vida eterna.
Foi só no século IV que a Igreja começou a celebrar o nascimento de Cristo. Daí ressurgiu o hábito de se festejar aniversários com bolo, música e presentes.
Presente: o hábito de presentear o aniversariante surgiu no antigo Egito. Em Roma, os imperadores também distribuíam mimos. Durante a Idade Média, na Alemanha, uma espécie de Papai Noel dos aniversários levava os pacotes para as crianças.
Bolo e velinhas: os gregos antigos festejavam a deusa da Lua, Ártemis, dia 6 de todo mês, com uma torta coberta de velas. O hábito foi retomado na Idade Média pelos alemães, nas kinderfeste, festa de aniversários para crianças.

Altar de Artemis num Templo Norteamericano
 Parabéns pra você: a melodia foi composta em 1893 por Mildred Hill, um organista do Kentucky, Estados Unidos. A canção era usada para saudar os alunos de uma escola. A letra original foi alterada em 1924 e ficou parecida com a que cantamos hoje.

AS FILHOSES DE MEU ANIVERSÀRIO

É impressionante a capacidade do ser humano de registrar as coisas! A minha memória olfativa e gustativa, por exemplo são verdadeiras delatoras de coisas sentidas e experimentadas no passado. Prova disto são os Filhós que me referi no texto acima.
Naquela época (1985) eu completara três anos de idade no dia 29 de abril.  Lembro-me bem da movimentação enorme de pessoas lá em casa. Não sei ao certo o que mais faziam na cozinha, mas ainda está nitidamente gravada a cena da feitura das Filhós. 

Filhós no ferro
Acredito eu, que talvez esta cena tenha sido o ponto de partida para o meu interesse gastronômico pois eu estava completando meus três anos de vida e não saía de cima das pessoas que preparavam os Filhós. Aqui, vale uma ressalva: naquela época, lá em casa, as filhós eram chamados de sonhos portugueses – não sei porque, mas era assim que eram chamadas.
A pessoa que preparou as filhós pra minha festa de aniversário se chama Fátima, ou como  costumávamos chamar intimamente, Fátima da dona Olindinha. Fátima, mulher jovem que era agregada na casa de uma grande amiga de minha avó materna que se chamava Olindinha – até hoje não sei o verdadeiro  nome desta senhora era Olindinha ou Olindina... o que importa é que tanto Fátima como a D. Olinfinha eram conhecidas por nós como  excelentes na cozinha, em tudo que faziam *eu amava os doces de leites que elas faziam e mandava lá pra casa) e, assim, sendo, acredito que minha mãe ou minha avó  pediu pra Fátima fazer as Filhós. Com a massa pronta, no alpendre do quintal, a massa das filhós era mergulhada numa estrelinha de ferro  que depois era colocada dentro de um tacho cheio de óleo quente, e a massa era frita e desgrudava do  ferro.
 Eu achava lindo ver a estrelinha de massa se transformando  em flores de massa frita; e a melhor parte, depois de frita as filhós era cobertas com açúcar e canela. Pronto estav feita uma delicia! 
Ferro para Filhós - modelo espiral resultado parecido com uma rosa.

Pena que a foto esta meio turva e não dá pra ver as Filhós nos pratinhos...
 Esta lembrança me perdurou por ano. Por que lá em casa não tinha os ferrinhos pra fazer filhós. Até que mais tarde, eu devia ter uns 14 anos, na feira da cidade, eu passeando com meu avó, encontrei um ambulante vendendo os ferrinhos  de fritar filhós e pedi meu avó pra comprar. O pacotinho de plástico vinha com dois  ferrinhos em formatos diferente, um em estrela com a forma de um asterisco ( *) e o outro, na forma espiral. Vinha ainda um pequeno papel com a receita, pra não errar. Depois de comprar a valiosa aquisição fui pra casa e passei  a tarde fritando  filhós, lembrando dos tempos dourados e de como era bom comer aquilo.

Atualmente descobri que as filhós é um doce tipico português feito  nas épocas natalinas. E que possuem variações de preparo, sendo as Filhós no Ferro uma delas. Não tenho ideia como a receita chegou na cidade em que morei  boa parte da minha vida. Talvez por ser a única cidade da chapada da Ibiapaba que não fora aldeia indígena, povoada por descendentes de europeus, não sei...
Fui atras de saber a origem do doce. E está ai outra curiosidade que vou  ficar investigando. Porém, se sabe que já existiam no século XVI, pois já Gil Vicente escreveu sobre elas:
“mando-vos eu sospirar pola padeira d’Aveiro que haveis de chegar à venda e entam ali desalbardar e albardar o vendeiro senam tever que nos venda vinho a seis, cabra a três pão de calo, filhós de manteiga moça fermosa, lençóis de veludo casa juncada, noite longa chuva com pedra, telhado novo a candea morta e a gaita à porta. Apre zambro empeçarás olha tu nam te ponha eu o colos na rabadilha e verás”.
        Enquanto eu escrevia este texto, fiquei na dúvida de como colocar os artigos das Filhós. E fui  buscar um pouquinho mais de informação: Quanto à etimologia, filhós vem do latim filiola, que significava filha pequena.
       E como filhós é tão bom, que todos gostam de comer e ninguém se farta, pode ser é tanto masculino, como feminino, tanto singular, como plural.    Comem todos: o filhós, a filhós, os filhós, as filhós.
Há quem use no singular filhó, mas parece-me que está errado.   Nos séculos XIV e XV usava-se filhó por filho, e talvez por detrás desse uso se esconda a origem do bolo.  Não sei!
 E há também quem use no plural filhoses e também filhozes.   Este plural já entrou no costume, e portanto, segundo os dicionários,  não é errado.Nos Açores chamam-lhes “malassadas”.


Filhós no Ferro

300 grs de farinha
1 pitada de sal
3 ovos grandes
30 grs de açúcar
5 colheres (sopa) de sumo de laranja (natural)
½ litro de leite
50 grs de manteiga
açúcar e canela p/ polvilhar

PreparoPeneire a farinha com o sal para dentro de uma tigela e faça um buraco no meio. Junte os ovos batidos, o açúcar e o sumo de laranja. Misture bem e adicione o leite, aos poucos. Passe a mistura por um passador de rede e junte-lhe a manteiga derretida. Aqueça uma boa porção de óleo num recipiente fundo. Introduza nele uma forma própria para estas filhós, para a aquecer. Mergulhe-a depois na massa sem chegar ao rebordo superior. De imediato, mergulhe-a no óleo quente (devendo ficar completamente submersa). Sacuda a forma para soltar a filhó e retire-a com uma escumadeira lisa. Repita esta operação para fritar a restante massa. Sirva as filhós polvilhadas com açúcar e canela.

Nota:
As filhós podem ficar mais ou menos altas e decorativas dependendo da configuração da forma usada. A forma deve ser mantida suspensa pelo cabo enquanto a filhó não se soltar.

Sabia que…
«O plural de filhó é filhós. Mas esta forma é tomada vulgarmente por singular.. E o povo diz filhozes por analogia com nozes, vozes, etc. Em português também já houve os plurais ourívezes, arrozes, etc. Escrever filhoz é erróneo.»
Vasco Botelho do Amaral, in Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa (Editora Educação Nacional, Porto, 1938)

Um comentário:

  1. Eu tenho este ferro e nunca soube o nome deste "doce"...adorei a matéria.Parabéns

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