segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Le quatre-quarts: O bolo quatro-quartos e meus devaneios sobre proporção áurea e alquimia


Hoje tirei o dia para me dedicar à leituras sobre proporções áureas, e delas, me veio a ideia de juntar o útil com o agradável. Assim, hoje trato de um bolo francês que usa de proporções para ganhar o paladar daqueles que, como eu, apreciam bolos.
Le quatre-quarts é um clássico francês. Um bolo tipicamente bretão, um batido pesado simples que pode ser saborizado com baunilha ou raspas de cítricos (chama-se de batido pesado simples, uma massa cuja gordura ultrapassa 50% do peso total da receita). Seu nome, quatre-quarts (quatro-quartos), deriva das proporções exatas dos quatro únicos ingredientes que o compõem e que devem ter o mesmo peso: ovos, farinha, açúcar e manteiga.



Quem é bom em fazer contas, nas matemáticas da vida, vai instintivamente calcular que a quantidades exata para esses 4 ingredientes deveria ser a proporção de 250 gramas de cada – se considerar que o bolos, geralmente, são vendidos por quilo –, e assunto encerrado. Mais aí vem a surpresa, quando se percebe que a receita é clara: são 4/4, mas esses quartos devem ser medidos pelo peso dos ovos.  Logo, os ovos devem ser primeiramente pesados e, a partir do peso encontrado, o valor em gramas servirá para o restante dos ingredientes. Nesse momento ou você ama, ou odeia, as receitas e os chefs que, além de artistas, são também excelentes matemáticos e químicos, verdadeiros alquimistas a serviço da gastronomia.



Certamente, chefs são artistas, mas o inverso nem sempre é óbvio.  Enquanto uns criam o que comer, outros criam para comer. E logo fica claro que a arte e a gastronomia estão intimamente ligadas, desde que o homem começou a expressar sua arte com pinturas rupestres imprimindo, dentre outras coisas, suas refeições nas paredes de cavernas, em muitos países. Na evolução da arte, temos que estar ligados a todas as considerações. Assim, por exemplo, quando um pintor do quilate de Claude Monet compartilha segredos culinários, você é obrigado a dar atenção (já tratamos de outra delícia apreciada por Monet AQUI)


"Le déjeuner" de Claude Monet - 1874 - © RMN (Musée d'Orsay) / Hervé Lewandowski
Monet sempre fazia questão de honra para receber seus hóspedes e amigos – figuras bastante conhecidas e importantes como: Clemenceau, Renoir e Cézanne, a quem Monet e Alice, sua esposa, sempre ofereciam alimentos de excelente qualidade. Dentre as receitas que Monet nos deixou existe uma para quatre-quarts (que pode ser encontrada em seus cadernos de cozinha –  "Carnets de cuisine de Monet" aux éditions Chêne ). Talvez, oficio de Monet e sua habilidade na cozinha o tenha ajudado nas proporções da receita: aquela época ele já sabia que um ovo de galinha tem 50 g, ou aproximadamente isso, e se preparasse um quatre-quarts com cinco ovos, teria 250 g de ovos no total. Isso significar dizer que, pela regra básica do bolo, cada um dos outros ingredientes também deverá pesar exatamente 250 g. Mas não é preciso ser um gênio da pintura pra descobrir isso, não é?

O que eu gostaria de ressaltar nisso tudo, é que pesos e medidas sempre fizeram a diferença não só para as receitas, elas ajudaram a construir nossa ciência. E a presença da química e da matemática na cozinha pode lhe conferir, perfeitamente, o status de alquimia. Prova disso é a receita do quatre-quarts, cujos ingredientes simples se transformam num bolo dourado, denso, geralmente apresentado na forma retangular, como um bolo inglês (há quem incluía na receita uma colher de chá de fermento em pó para diminuir a densidade do bolo).
Um retângulo dourado, é isso! Le quatre-quarts é um retângulo dourado, forma que me remete a alquimia e a proporção áurea. Para que possamos entender melhor esse meu devaneio, ou minha alusão, abaixo seguem algumas explicações.



Retângulo dourado - Em geometria, o retângulo de ouro surge do processo de divisão em média e extrema razão, de Euclides. Ele é assim chamado porque ao dividir-se a base desse retângulo pela sua altura, obtêm-se o número de ouro 1,618.


Proporção áurea dos retângulos 
Proporção áurea, número de ouro, número áureo, secção áurea, proporção de ouro é uma constantereal algébrica irracional denotada pela letra grega Φ (PHI), em homenagem ao escultor Phideas (Fídias), que a teria utilizado para conceber o Parthenon, e com o valor arredondado a três casas decimais de 1,618. Também é chamada de se(c)ção áurea (do latim sectio aurea), razão áurea, razão de ouro, média e extrema razão (Euclides), divina proporção, divina seção (do latim sectio divina), proporção em extrema razão, divisão de extrema razão ou áurea excelência. O número de ouro é ainda frequentemente chamado razão de Phidias. Desde a Antiguidade, a proporção áurea é usada na arte. É frequente a sua utilização em pinturas renascentistas, como as do mestre Giotto. Este número está envolvido com a natureza do crescimento. Phi (não confundir com o número Piπ), como é chamado o número de ouro, pode ser encontrado na proporção dos seres humanos (o tamanho das falanges, ossos dos dedos, por exemplo) e nas colmeias, entre inúmeros outros exemplos que envolvem a ordem do crescimento. Justamente por estar envolvido no crescimento, este número se torna tão frequente. E justamente por haver essa frequência, o número de ouro ganhou um status de "quase mágico", sendo alvo de pesquisadores, artistas e escritores. Apesar desse status, o número de ouro é apenas o que é devido aos contextos em que está inserido: está envolvido em crescimentos biológicos, por exemplo. O fato de ser encontrado através de desenvolvimento matemático é que o torna fascinante.


O termo alquimia vem do árabe, al-khimia, tem o mesmo significado de química, mas antigamente era designado por espargiria - essa química não é a que atualmente conhecemos, mas sim, uma química espiritualista e transcendental. Sabe-se, que al, em árabe, designa Ser supremo - o Todo-Poderoso, como Al-lah. Assim, chega-se à conclusão que a palavra alquimia, designa desde os mais remotos tempos, a ciência de Deus - ou seja a química de Al.



No medievo, alquimia era o nome atribuído a teoria que acreditava que todos os metais evoluem até virar ouro. Para acelerar esse processo, surgem os alquimistas que, se encerravam em seus laboratórios para fazer experimentos com os quatro elementos (fogo, água, terra e ar) na tentativa de descobrir a pedra filosofal – esta, capaz de transformar tudo em ouro.

Os alquimistas eram vistos como pessoas de hábitos estranhos, pelo simples fato de se trancafiarem eu seus laboratórios por muito tempo ou por ficarem horas a fio comtemplando experimentos ou observando plantas. Essa dedicação para com a observação da natureza fê-los compreender o pilar da física quântica: tudo no universo está interligado - Philippus Paracelsus (1493-1541), médico suíço, tornou-se famoso por curar as pessoas a partir dessa visão holística. Ele recorria a conceitos da alquimia, como o de que o sal, o mercúrio e o enxofre estão presentes em tudo o que existe, inclusive dentro do homem.





Dentre as influências holísticas nas escolas do conhecimento, a antroposofia está sempre presente. Trata-se de uma ciência espiritual que faz analogia entre os princípios alquímicos e as forças básicas atuantes na alma humana: o pensar (sal), o sentir (mercúrio) e o querer (enxofre). Para Ivan Stratievsky, médico e cirurgião antroposófico, o ouro alquímico, por exemplo, nada mais é que o self, o verdadeiro Eu. "Para chegarmos lá", diz ele, "precisamos lidar com as polaridades internas, pensando, sentindo e querendo de maneira equilibrada."
Certamente a alquimia foi a precursora da química, e até da medicina, moderna e foi a ciência principal no medievo. Incluía não só experiências químicas na incessante busca pela pedra filosofal e pela capacidade de transmutação, mas se utilizava de rituais, na maioria, fincados na filosofia Hermética – como também em partes da Cabala e da Magia (esta última, a mais caluniada de todas, porque o senso comum confunde magia com a bruxaria supersticiosa cujas práticas abomináveis são denunciada). Da cabala, a Alquimia tomou emprestado todos os seus signos e era na lei das analogias, resultantes da harmonia dos contrários, que baseava suas operações.



No decorrer dos anos e com a experiência, diversos alquimistas chegaram à conclusão de que a verdadeira transmutação ocorria no próprio homem, numa espécie de Alquimia da Alma; Enquanto isso, outros permaneceram na busca sem sucesso do processo de transformações de metais menos nobres em ouro. Há quem diga que existiram mestres da alquimia que alcançaram este objetivo.
A alquimia também preocupava-se com a Cosmogonia do Universo, com a astrologia e a matemática. Os escritos alquímicos, constituíam-se muitas vezes, de modo codificado ou dissimulado, daí, talvez a conotação dada ao termo hermético (fechada), acessível apenas para os iniciados.
A alquimia sendo a arte de trabalhar e aperfeiçoar os corpos com a ajuda da natureza. No sentido restrito do termo, a alquimia sendo uma técnica é, por isso, uma arte prática. Como tal, ela assenta sobre um conjunto de teorias relativas à constituição da matéria, à formação de substâncias inanimadas e vivas, etc. Para um alquimista, a matéria é composta por três princípios fundamentais: Enxofre, Mercúrio e Sal, os quais poderão ser combinados em diversas proporções, para formar novos corpos.No dizer de Roger Bacon, no Espelho da Alquimia, “...A alquimia é a ciência que ensina a preparar uma certa medicina ou elixir, o qual, sendo projetado sobre os metais imperfeitos, lhe comunica a perfeição...”. A alquimia operativa, aplicação direta da alquimia teórica, é a procura da pedra filosofal. Ela reveste-se de dois aspectos principais: a medicina universal e a transmutação dos metais, sendo uma, a prova real da outra.


O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci. As ideias de proporção e simetria aplicadas à concepção da beleza humana.
Geralmente, um alquimista era também um médico, filósofo ou astrólogo, tal como Paracelso, Alberto Magno, Santo Agostinho, Frei Basílio Valentim e tantos outros grandes mestres hoje conhecidos pelas suas obras reputadas de verdadeiras. Cada Mestre trazia consigo discípulos, a quem iniciavam na arte e transmitia-lhes seus conhecimentos. O meio escrito foi a forma que os alquimistas usaram para perpetuar seus conhecimentos pelos tempos - nos livros que se conhece, quase sempre eram escritos sob pseudônimo, de forma velada, por meio de alegorias, símbolos ou figuras. Este fato é um dos fatores que dificulta o estudo da alquimia, porque esses símbolos e figuras não apresentam um sentido uniforme. Tudo era, e atualmente ainda é, deixado à obra e imaginação dos seus autores.



Assim, um verdadeiro alquimista é um iluminado, um sábio que compreende a simplicidade do nada absoluto. É capaz de realizar coisas que a ciência e tecnologias atuais jamais conseguirão, pois a Alquimia está pautada na energia espiritual e não somente no materialismo e a ciência a muito tempo perdeu este caminho. A Alquimia é o conhecimento máximo, porém é muito difícil de ser aprendida ou descoberta. Podemos levar anos até começarmos a perceber que nada sabemos, vamos então começar imediatamente pois o prêmio para os que conseguirem é o mais alto de todos.
Por ser uma arte que usa muitos símbolos, a alquimia, muitas vezes, é apresentada com o nome de  Ars Symbollica. Tendo a borboleta como seu grande simbolo, por causa do efeito da metamorfose. Outro símbolo  bastante encontrado na alquimia é a figura do hermafrodita, ou andrógino.
Interpretar os textos alquímicos não é tarefa pra qualquer um. Eles são considerados "herméticos", e isso sugere a dificuldade dos textos dos autores alquímicos. Esta dificuldade tem como causas os seguintes fatos:
• os autores se referirem às substâncias e processos por nomes próprios à Alquimia,
• há vários processos (vias) de operação que não são explicitados,
• a maioria das substâncias são referidas com perífrases elaboradas,
• a existência de muitas referências mitológicas e cultas,
• o uso de palavras que, lidas em voz alta, produzem uma outra,
• o não apresentar partes de processos, referindo o leitor a outro autor,
• o não apresentar as operações por ordem,
• o enganar propositadamente o leitor.



Em alguns casos (e.g. Mutus Liber, O Livro Mudo) a exposição é feita apenas, ou predominantemente, por gravuras alegóricas. Escrito dessa maneira, até um livro de culinária seria impenetrável em seu conteúdo. As finalidades deste obscurecimento eram proteger-se de perseguições e não deixar os processos cair na via pública.
Qualificações habituais dos autores são o ser "caridoso", se expõe os seus temas corretamente, ou o ser "invejoso" (cioso do seu conhecimento) se engana o leitor. Um autor pode ser caridoso num trecho e invejoso noutro.
Basicamente informador, que tal preparar um retângulo dourado delicioso pra comer com geleia, na hora do café? Enquanto você separa os ingredientes, Dê o play no vídeo com a música no final deste post, e deixe a porporção aurea invadir você, ouvindo  a famosa sinfonia n.º 5, de Ludwig van Beethoven – o exemplo mais notável da presença do nuemro de ouro  nas composições clássicas.  

Quatre-quarts

4 ovos
O peso dos ovos em manteiga derretida resfriada
O peso dos ovos em açúcar
O peso dos ovos em peneirada
Baunilha ou cascas de cítricos ralados caso queira perfumar a massa

Preparo: Unte uma fôrma de bolo inglês com manteiga e pré-aqueça o forno a 200º C; Pese os ovos e utilize exatamente o mesmo peso tanto em açúcar, como em manteiga e farinha; Misture a manteiga e o açúcar juntos e bata com o batedor até formar um creme; Nessa hora, coloque um pouco de essência de baunilha, só para perfumar um pouquinho; Quebre os ovos, separe as gemas e incorpore-as ao creme, uma por uma; Misture o fermento e a farinha neste mesmo creme; À parte, bata as claras em neve bem firme e depois incorpore-a à massa; Despeje essa massa líquida na fôrma e asse por 35 minutos.

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