domingo, 22 de fevereiro de 2015

A consertada



A consertada, ou café consertado, é uma bebida licorosa a base de café, cachaça e especiarias típica do litoral catarinense brasileiro. É preparada pelos antepassados açorianos que colonizaram a região que ensinaram o preparo para seus descendentes. O nome vem do do ato de trabalhar com o café passado, que restava do consumo da família, que para ser “consertado” era fervido com os demais ingredientes.


Como maneira de incentivar e resgatar as tradições da região e das famílias que ocuparam e colonizaram o município de Bombinhas, a prefeitura daquele município oficializou o reconhecimento da consertada como bebida típica cultural em maio de 2013.
Bombinhas é um município de ascendência açoriana, com mais de 14.000 habitantes, que vivem da pesca, maricultura e do turismo. A lei que oficializa a bebida como típica pode ser vista na íntegra a seguir:

  Projeto de Lei Nº 17/2013
  Data: 06/05/2013
 
Autor: Executivo Municipal
Dispõe sobre a instituição da “Consertada” como bebida típica cultural do Município de Bombinhas”
   
  PROJETO DE LEI Nº 017/2013

“Dispõe sobre a instituição da “Consertada” como bebida típica cultural do Município de Bombinhas”

ANA PAULA DA SILVA, Prefeita Municipal de Bombinhas, Estado de Santa Catarina, no uso das atribuições conferidas nos termos dos incisos I e III do art. 64 da Lei Orgânica, faço saber a todos que a Câmara de Vereadores aprovou e eu sanciono a seguinte Lei;

Art. 1º Fica instituía como bebida típica cultural de Bombinhas, a “Consertada”.

Art. 2º A “Consertada” é uma bebida típica feita a base de café, açúcar, cravo, canela, cachaça, gengibre e erva-doce.

Parágrafo único. O nome dá-se em função de ser feita com café passado, que restava do consumo da família, que para “consertá-lo” fazia do mesmo um licor com cachaça e especiarias para servir aos visitantes em momentos de descontração e datas festivas.

Art. 3º A Fundação Municipal de Cultura, manterá banco de dados acerca da bebida típica “Consertada”, contendo informações a respeito da mesma, incluindo suas características, além de dados relativos à sua identificação.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Bombinhas (SC), 25 de abril de 2013.


ANA PAULA DA SILVA
Prefeita Municipal


MENSAGEM AO PROJETO DE LEI Nº 017/2013

Submetemos à apreciação e votação dos eminentes Componentes deste egrégio Poder, o Projeto d Lei nº 17/2013 que institui a “Consertada” como bebida típica cultural de Bombinhas.
Objetiva o presente, promover a proteção do patrimônio imaterial do Município, com a cooperação da comunidade bombinense, em conformidade com o art. 216 da Carta Mãe. O bem imaterial objeto deste refere-se à identidade e memória do Município de Bombinhas.
Assim, caracterizam-se como bens imateriais as práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios, celebrações, formas de expressão cênicas, comidas e bebidas, em conformidade com a Convenção da UNESCO para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial.
Ademais, a comunidade bombinense reconhece a “consertada” como bebida típica do Município, o que legitimamente já integra o patrimônio cultural, uma vez que a feitura é transmitida de geração em geração, e, apropriada pela população local.
A “consertada” é uma bebida típica feita à base de café, açúcar, cravo, canela, cachaça, gengibre e erva-doce, é ideal para as noites frias e para as rodas de histórias contadas pelos mais sábios em família. A bebida tornou-se um elemento de identidade do Município, servida principalmente em época de páscoa.
Para ilustrar os motivos que ensejam segue anexo conceituação/definição encaminhada pela Fundação Municipal de Cultura.
Por fim, sabedores do acolhimento merecido pela proposta em análise, contamos com a ratificação do Plenário na forma da merecida aprovação.

ANA PAULA DA SILVA
Prefeita Municipal

Fonte: Veja AQUI

 Na elaboração da bebida se utiliza café forte passado, acrescentado de especiarias (gengibre, canela, cravo e erva doce) com cachaça. Não há uma receita única ou original, trata-se de preparação familiar transmitida “de boca em boca”, geralmente de mãe para filha. Um vídeo circula na internet com a preparação da bebida. Confira:

A consertada ainda pode ser encontrada no litoral Norte de São Paulo, mais precisamente no município de São Sebastião. Coincidentemente a geografia é similar com a península de Porto Belo, onde fica o município de Bombinhas. Em São Sebastião, a Fazenda Santana datada de 1743, realiza a festa da padroeira no dia 26 de julho, onde há 320 anos a Consertada é servida de graça. O motivo é simples, segundo a tradição local a bebida é servida para fechar o corpo dos participantes.



A relação de do estado de Santa Catarina com o café é antiga: A cultura do café inicia na ilha em 1786, atingindo no século XIX alto volume de produção de café de excelente qualidade, servindo não só ao consumo local, mas para a exportação para o Rio da Prata e Europa (Várzea, 1984, p. 225-226).
Na França, o café de sombreado catarinense ganha o primeiro prêmio nas exposições de produtos agrícolas. Pereira et al, (1991), Várzea (1984), Caruso (1989) ressaltam a qualidade e o apreço da comunidade da Ilha pelo famoso café sombreado.
O café sombreado nasceu da necessidade de esconder o café na sombra das bananeiras e laranjeiras para não serem encontrados pela fiscalização, que era feita pelo mar (Pereira et al (1991, p.75). Na época existia comércio clandestino de café e de farinha de mandioca. E como se tratava de comércio clandestino, não foi permitida a continuidade da produção, assim destinado a desaparecer.




No entanto, Caruso (1989, p. 61) apresenta a seguinte explicação para a origem do café sombreado, explica que o café queimava com as geadas que davam durante o inverno e que ao serem plantados embaixo de árvores, ficavam sombreados e protegidos do frio intenso.
A qualidade do pó de café daquela região é inegável, e sua produção foi descrita por Pereira et al (1991, p. 77): o pó de café era produzido da seguinte forma: os grãos do café sombreado eram colhidos, secos ao sol em eiras, descascados em pilões manuais, torrados nos fornos dos engenhos de farinha, nos tachos de açúcar ou nas chapas dos fogões caseiros e moídos por pilões manuais.
Outra técnica caseira típica para o preparo de café é apresentada por Pereira et al (1991, p. 77), trata-se da técnica manezinha de preparar o café “cabeludo” (muito pouco conhecido pelos atuais morados da região): ferve-se a água com o pó dentro, depois deixa-se decantar por um instante e serve-se a gosto e como diz esse autor, fica de forma “integral”, pois, na sua concepção, utilizando o coador se removia do café determinadas características da cafeína.
Como a concertada é preparada com café e cachaça, cabe apresentar que Várzea (1984 p. 206-207) relata que as aguardentes mais famosas da Ilha eram aquelas produzidas no Ribeirão da Ilha e na Lagoa da Conceição e Pereira et al (1991, p. 80) concordando com essa afirmação, lembra ainda que a cachaça do “Seu Chico” era uma das mais procuradas.

Fonte:
VÁRZEA, V. Santa Catarina: A Ilha. Florianópolis: IOESC, 1984.
PEREIRA, N. V.; PEREIRA, F. V. SILVA NETO, W. J. Ribeirão da ilha - vida e retratos: um distrito em destaque. Florianópolis, Fundação Franklin Cascaes, 1991.
CARUSO, R. C. Franklin Cascaes: vida e arte, e a colonização açoriana. Florianópolis: 2° edição revisada. Ed. da UFSC, 1989.


Consertada

1 litro Café forte passado
500 ml Cachaça
100 g Açúcar mascavo
20 g Gengibre
4 uni Cravo
2 uni Canela em pau
Erva doce a gosto (opcional)


Preparo: Levar ao fogo, em uma panela alta, o açúcar, gengibre, cravo e a canela e deixar a mistura derreter como se fosse um caramelo, deixando  ficar na cor dourada. Em seguida juntar o café, mexer e deixar dissolver o caramelo, juntar a cachaça e ferver por dez minutos. Se desejar pode colocar erva doce e mais açúcar. 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Le pouding Mexico de Mme. E. Saint-Ange


Não sei se generalizo o começo do texto dizendo que, o sonho de todo cozinheiro dedicado é dominar as (inúmeras) técnicas da culinária francesa. Realmente acredito que elas fazem a diferença...
Esse dia andei usando dessas técnicas francesas para umas preparações com chocolate – andei preparando uma sobremesa para levar a uma confraternização que fizemos no mestrado (Ficou excelente, depois falo dela aqui). Daí fiquei pensando nas maravilhas da gastronomia francesa e me coloquei a pesquisar alguma receita, também com chocolate, que não fosse tão complicada e que ficasse perfeita. Achei o que queria em um livro antigo: Le livre de cuisine de Madame Saint-Ange.






Trata-se de um livro de receitas francês escrito por Mary Ebrard sob o nome de E. Saint-Ange, em 1927 e publicado pela Larousse. É um clássico da literatura culinária, altamente detalhado documentando preparações elaboradas e simples do início do século 20 na França, incluindo descrições técnicas dos equipamentos de cozinha do dia.
Antes de escrever o livro, a autora escreveu, por vinte anos, uma coluna de culinária na revista do marido Le Pot au Feu, e grande parte do conteúdo do livro foi traçado a partir dessa coluna. O livro foi originalmente publicado como “Le livre de cuisine de Madame Saint-Ange: recettes et méthodes de la bonne cuisine française” - o título atual é uma atualização modesta do trabalho original pelo editor na década de 1950. É um livro clama você para cozinhar.

O que mais me irritou – e me seduziu – é que a autora é misteriosa. Não encontrei quase nada sobre ela na internet. A não ser a foto abaixo e comentários de grandes nomes da gastronomia se deleitando e se derretendo em elogios.


Mme. E. Saint Ange se apropria da cozinha de uma forma tão precisa que as coisas mais simples se transformam em coisas complicadíssimas e sofisticadas, mas que nós sempre queremos entender (imaginem só um livro com 3 páginas sobre ovos cozidos). Protocolos, etiqueta, rigor científico e saber explorar bem os itens decorativos mais eficazes são elementos que se aprende com a leitura. Mme. E. Saint Ange deixa transparecer a alegria de ‘popularizar’ a culinária francesa – se é que isso é possível sem dominar técnicas – e dar a todos a oportunidade de ter sucesso nas receitas.
Considerando que, os teóricos de cozinha tradicional francesa do início dos anos vinte eram homens, o livro acabou tornando-se referência por ser um livro de receitas escrito em francês impecável, elegante e fácil de ler. As receitas estão muito bem explicadas, truques detalhados, etapas descascadas. Quando ela mostra um processo, ele sempre dá a razão, nada é de graça, nada é acidental. Mil quatrocentas páginas de felicidade absoluta!
E pra felicidade ser maior, Madame E. Saint Ange, dentre as receitas maravilhosas apresenta uma que eu achei uma moleza – e perfeita –, que ela entitiula assim:
Le pouding Mexico: la recette est d'un ange. — "Diable, que faisait-on avant les fours vapeur?"


Consigo até ouvir Madame E. Saint Ange reclamando a ortografia, dizendo que o correto é pouding, e não pudding.
Olhando a receita, a qualidade do produto final e a tecnologia da década de 1920, sem o desenvolvimento de fornos modernos, faz com que nós tenhamos humildade para admitir que dominar as técnicas francesas fazem a diferença. Esse pudim é a prova de que se pode, sem a sofisticada tecnologia de hoje, a realizar preparações delicadas e precisas.
Madame de Saint Ange indica 45 minutos de cozimento para o pudim México. Confie nesse tempo, depois deixe a panela do forno e do banho de água e aguarde o resfriamento completo antes de virar, é importante. Se você tem um pouco de dificuldade no desenforme, mergulhe o fundo do molde alguns segundos em água quente, em seguida, transferi-lo para prato.

Le pouding Mexico

120 g de chocolate meio amargo
120 g de açúcar
2 ovos grandes ou 3 pequenas
120 g de manteiga amolecida + mais manteiga para untar a forma
50 g de farinha

Preparo: Comece ligando o forno a 150 ° C. Generosamente unte com manteiga a forma que vai usar para cozinhar o pudim. Derreta o chocolate em banho-maria e reserve. Em uma tigela, bata as gemas com 80 g de açúcar até que estejam fofas e esbranquiçadas. Incorporar a manteiga amolecida, o chocolate derretido e a farinha. Bata as claras em neve até ficarem firmes, incorporando com resto do seu açúcar. Delicadamente, incorporando-as à mistura de chocolate. Despeje a massa na forma generosamente untada e coloque a forma dentro numa panela alta que deve ser levada ao forno com água fervente - ter cuidado para não derramar água sobre a massa. 
A água pode atingir até dois terços da altura da forma. Cobria a panela com uma tampa ou papel alumínio. O pudim deve estar em contato com o vapor desprendido da água a ferver. Ele condensa na tampa e em seguida, umedecer a preparação. Madame de Saint Ange recomenda levantar uma ou duas vezes a tampa e verificar se a agua está muito fervente, se sim, basta adicionar um pouco de água fria. Após os 45 minutos desligar o fogo e esperar o cozimento completar sozinho. Desenformar e servir.